
Depois de década e meia de Angela Merkel, passaram três penosos anos de chanceler Scholz. Segue-se Friedrich Merz que corre, desde já, o risco de ser o chanceler da triste figura. De retórica inflamada, Merz é uma versão prussiana de D. Quixote. Em vez de uma bacia de barbeiro, como a figura de Cervantes, tem na cabeça ilusões e o clássico capacete de espigão.
O líder da CDU e próximo chanceler é uma figura desagradável. Nem os alemães gostam dele. Votaram nos Democratas Cristãos, a quem deram uma fraca maioria, não por causa de Merz mas apesar dele. O futuro chanceler já perdeu em três importantes frentes antes de ter tomado posse.
Na primeira, a frente democrática e humanista, Merz perde desde que encostou o seu discurso à extrema-direita, tanto no tom como no conteúdo, sem que isso lhe tenha rendido mais votos (o seu objectivo de “reduzir para metade os resultados” da extrema-direita falhou, em vez disso a AfD duplicou-os).
Na segunda, a financeira, perde porque já sabe que vai ter de soltar o travão da dívida pública e de aumentá-la, ao contrário do que sempre tem, exaltadamente, defendido como se fosse a honra da mãe que estava em causa. Mas em vez de se endividar para investir na manutenção de pontes e estradas (bem precisam), na educação, saúde e área social, é obrigado a investir em armas e na indústria de armamento norte-americana (ele próprio diz que para apaziguar Trump “temos de comprar mais gás e mais armas aos EUA”).
Finalmente, perde na terceira e talvez mais importante frente, a da guerra com a Ucrânia e da importância da UE, a única que distinguia o seu discurso político do da extrema-direita (a AfD teve 20% dos votos mas, ao todo, mais de um terço do eleitorado votou em partidos que são contra o apoio militar à Ucrânia e a favor de normalizar as relações com a Rússia). A estratégia de apoio bélico incondicional à Ucrânia, à qual Merz queria dar todas as armas e mísseis que pedissem, entrou em colapso com a entrada em cena da nova administração Trump. Agora, Merz vai, quer queira quer não, ter de alinhar a postura com a da AfD e da administração dos EUA, ambas contra o armamento da Ucrânia e tão a favor de negociações com a Rússia que as retóricas de Alice Weidel, a líder da AfD, de Trump e de Putin se confundem. Ao chanceler alemão restará o papel de figurante sem falas, muitos furos abaixo da projecção internacional e prestígio da sua antecessora Angela Merkel.
O que poderá evitar que o novo chanceler seja um total fracasso a lutar contra moinhos de vento, esses que tanto gostaria de ver substituídos por centrais nucleares?
Em primeiro lugar, a sua antiga entidade patronal, a norte-americana Blackrock, que é o mais poderoso tentáculo dos EUA, tanto na era Biden como na nova administração Trump (a Blackrock sabe que Merz foi durante anos um funcionário exemplar). Em segundo, a coligação que terá de fazer com o SPD. Não tenho dúvidas que Merz, no seu íntimo, adoraria juntar-se à AfD, mas isso – ainda – não é possível na Alemanha, ao contrário do que já acontece na Áustria, Holanda etc. O parceiro da CDU terá de ser, para já, o SPD, e esse exigir-lhe-á compromissos que servirão para Merz justificar a sua perda de face ainda antes de entrar em cena.
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