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PAZ

Há duas categorias de líderes políticos que percebem o que se está a passar neste momento na Europa: os que já eram adultos nos anos 30 do século passado e os que ainda não eram nascidos mas que leram e entenderam a história europeia. Infelizmente, são duas categorias sem representação nos actuais governos.

A UE está a ferver com uma febre militarista sem precedentes, mas a velha Europa já conhece estes surtos belicistas, de antes das duas grandes guerras, nos anos que precederam 1914 e 1939.

“Mais vale cem horas a negociar sem resultados do que um minuto aos tiros”, a frase é de um chanceler alemão dos anos setenta. Nunca é demais repeti-la.

Nos anos 80 começou uma fase de negociações e desarmamento nuclear que reduziu o arsenal em toda a Europa para menos de metade. No final dessa década, a União Soviética entrou em colapso político, económico e social. Sem bombas, sem tiros. Essa fraqueza do velho inimigo da guerra fria foi usada pelos EUA até ao limite. O cerco militar da NATO avançou até às fronteiras da nova e muito mais pequena Rússia. E criou um novo inimigo.

A conversão das economias em economias de guerra e os achaques belicistas, desde dos de um patético almirante português aos do chanceler in spe Merz, nunca foram a solução.

Os países democráticos da Europa, a França, o Reino Unido etc. não inundaram Portugal de armas para que combatêssemos a ditadura, nem forneceram armas em grande escala à ex-RDA para se combater o invasor soviético. A ditadura fascista portuguesa como a tirania soviética na ex-RDA entraram em colapso após 40 anos. O mesmo aconteceu em Espanha ou na Checoslováquia.

Os processos de colapso das ditaduras e autocracias podem ser acelerados? Em alguns casos, talvez. Com o fornecimento de armas aos seus inimigos, com o desprezo por milhões de vidas e com resultados finais imprevisíveis. No caso da Rússia não está a resultar. E ninguém perguntou aos jovens na Ucrânia se queriam morrer pelas fronteiras de 2014 ou 2022.

Poderão já ter morrido mais de meio milhão de homens nesta guerra. Cada uma dessas vidas extintas na guerra é uma perda irreparável, uma mãe, um pai quebrados, uma filha ou filho órfãos, amantes destroçados, uma tristeza profunda, um atentado contra a humanidade, um crime de guerra, porque a guerra, pelo menos metade dela, é sempre um crime hediondo, e a outra metade, quando se torna também ela um crime, é deplorável e evitável.

Tenho familiares que fugiram da ditadura em Portugal e da tirania na ex-RDA. Em vez de pegarem em armas, fugiram. Anos mais tarde voltaram a casa. Tenho familiares que combateram ditaduras e regimes totalitários por dentro, em Barcelona, em Berlim, em Lisboa, em Praga, fizeram-no sem armas, resistindo e organizando-se, adoptando a táctica do exílio interior para sobreviverem, esperaram tempos melhores. Morreram velhos e de morte natural. Ou ainda estão vivos, como o meu tio, Gerhard, de 92 anos que foi prejudicado durante décadas, na sua vida privada e académica, por não ser do partido, mas que sobreviveu a 40 anos de regime pseudo-comunista na RDA, até ser reabilitado depois da queda do muro e ascender à merecida cátedra. Se aos 20 ou 30 anos lhe tivessem posto uma metralhadora na mão, para combater o invasor russo, teria provavelmente morrido como centenas de milhares de jovens ucranianos nos últimos três anos.

Quero que as minhas filhas e as filhas e filhos das pessoas que vivem na Europa possam tomar a decisão de viver e de não sofrer ou morrer numa guerra. Quero que as minhas filhas resistam, se as proibirem de falar a sua língua, como aconteceu ao meu tetravô Rafael na Catalunha ou à minha avó Wilhelmine na Checoslováquia, que resistam, nem que seja só não desistindo. Mas não com armas.

Não quero que se repita a história do meu avô Othmar que passou os anos de 1914 e 1918 como cirurgião a serrar braços e pernas e a declarar óbitos em hospitais de campanha. Ou a do meu tio-avô Otto que passou anos de fome num campo de prisioneiros. A da minha avó paterna que perdeu tudo o que tinha e que teve de fugir com duas crianças dum exército invasor que, como todos eles, se dizia libertador e defensor dos valores, para uma cidade destruídas pelas bombas de um outro exército, libertador e defensor de valores, claro.

Sobretudo não quero quero que os jovens de hoje, com a vida pela frente, sejam carne para canhão nas guerras de uma elite de políticos ignorantes, generais caducos e almirantes de bolso.

Não temos de dar a outra face. Temos sim de nos sentar, frente a frente, estender a mão direita – aquela que neste momento só parece saber ameaçar com uma arma – e fazer os impossíveis para parar a espiral de armamento, destruição e morte. É isso que von der Leyen, Macron, Costa e companhia neste momento não sabem ou não querem fazer.


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Miguel Szymanski, jornalista e escritor.