De Ursula da Prússia à ingenuidade sebastiânica de Costa
Prelúdio. Em meados dos anos 80 um agente do KGB fugiu da URSS. Era um agente duplo e no início da década fornecera às secretas do Reino Unido elementos que comprovavam que no Kremlin se vivia a ‘paranóia’ de um iminente ataque da NATO. A ‘paranóia’ era tal que em Moscovo estava a ser discutido e preparado o cenário de um ataque nuclear preventivo (Oleg Gordievsky, o espião duplo, morreu esta semana aos 86 anos no Reino Unido). O Reino Unido e os EUA perceberam o risco e começou uma era de negociações com Moscovo com acordos e uma substancial redução de armas de ambos os lados.
Enredo. Do lado da UE espalha-se um descontrolado frenesim bélico e o entusiasmo vai de von der Leyen, a fazer de Frederica da Prússia e a berrar que a Rússia nos pode atacar a qualquer momento, ao sebastiânico e algo desnorteado António Costa, a repetir o que lhe dizem e disposto, se necessário, a enviar portugueses para a Ucrânia pela mão do primeiro-ministro português de serviço.
A única forma de se tirar a economia alemã da recessão, em que está atolada já no terceiro ano, e de relançar a economia europeia, privada de energia barata da Rússia, ultrapassada pela China e ameaçada pelos EUA, passa por investimentos públicos muito avultados na indústria – numa altura em que até um grupo Volkswagen já muito debilitado anuncia a aposta na produção militar -, investimentos esses que contrariam a doutrina até agora em vigor, a da austeridade, do rigor orçamental e do jogo do mercado. Além da indústria, a UE quer também criar um sucedâneo europeu de Silicon Valley (que nos EUA sempre teve financiamento militar ao ponto do CEO da Google ter sido simultaneamente um alto quadro do Pentágono). Também isso custa rios de dinheiro e exige um endividamento sem precedentes na UE. É isso que significam os 800 mil milhões ao longo de dez anos anunciados por von der Leyen e o fim da política de não endividamento na Alemanha.
Narrativa. Para o justificar políticamente faz falta uma história, um inimigo externo e uma ameaça iminente. Podiam ser os EUA por causa do apoio ao genocídio em Gaza ou as ameaças contra a Dinamarca e o Canadá ou por terem varrido a UE da mesa de interlocutores nas negociações para uma nova arquitectura de segurança. Podia ser o Irão se já tivesse armas nucleares ou a Turquia se não fosse uma exemplar democracia e membro da Nato. Optou-se pelo velho e confiável inimigo, o urso russo, que se pôs a jeito em 2014 quando exigiu de volta a Crimeia, como se fosse o canal do Panamá, e invadiu a Ucrânia em 2022, como se fosse um remoto Iraque ou Afeganistão e não um país europeu.
Moral. A UE faz muito bem em investir numa indústria militar conjunta, mas por favor não nas actuais grandes empresas de material militar ‘europeias’, controladas pelos fundos norte-americanos Blackrock e Vanguard. A Europa devia aliás tê-lo começado a fazer há 60 anos, como de Gaulle quis, mas os EUA souberam evitar em proveito próprio desde então. Mas a UE não deve agoirar ataques russos iminentes se não a paranóia ainda se plasma e nessa altura, citando o grande analista da guerra, Raúl Solnado, “É tudo um prejuízo”.
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