Uma análise política e uma história pessoal. Porque tudo está ligado.
Depois de três anos de guerra na Europa a Rússia e os EUA estão prestes a começar negociações para dividirem entre si a Ucrânia como Hitler e Stalin partilharam a Polónia em 1939. Não por acaso, a personagem sinistra, mas clarividente, o novo vice-presidente norte-americano, JD Vance, há dois anos ainda chamava a Trump “o Hitler da América”, antecipando o ímpeto dos novos EUA de “incorporar” o Canadá, “ocupar” a Gronelândia e “tomar posse” de Gaza e do Canal do Panamá. A União Europeia, fraca e sem voz, está entalada entre dois blocos imperialistas em expansão.
Há 86 anos as grandes nações declaravam guerra a Hitler. Hoje os países da União Europeia dividem-se entre os que apoiam e se vergam os EUA e os que apoiam e se vergam à Rússia.
O que é melhor, entrar numa guerra ou fugir dela e combater os regimes por dentro, aguardando o seu colapso? A prioridade, absoluta, deveria ser, sempre, poupar vidas humanas. Porque nada há de mais precioso. Mas sou suspeito, sou pacifista da escola humanista.
Já eu era adulto e lembro-me da minha avó Wilhelmine, que em criança ainda apertou a mão do Imperador Francisco José, me contar da sua fuga aos russos. Vivia no leste da Checoslováquia. Dizia, com sentido de humor, que tinha mudado três vezes de país sem sair de casa. E era verdade: nasceu súbdita do Reino da Boémia, no Império Austro-Húngaro, passou a viver na Checoslováquia com o fim da primeira Guerra Mundial, depois foi feita, sem ninguém lhe perguntar a opinião, cidadã do Terceiro Reich alemão. As casas e propriedades que herdou, e perdeu quando teve de fugir, ficam hoje num quarto país, na República Checa. Nunca a ouvi lamentar-se por ter perdido todas as suas propriedades. “Não nos podemos agarrar a essas coisas”, dizia-me.
Tinha 44 anos, era viúva, violinista e professora de música, quando teve de fugir de casa, a pé, com dois filhos, um de 11 anos, o meu pai, outro de 13, o meu tio que este ano fez 92.

Nesta fuga de milhões de pessoas, muitas dos quais de famílias como a dos meus avós, que viviam há muitas gerações na Boémia, Polónia ou na actual Ucrânia, estima-se que morreram pelo menos seiscentos mil civis.
No seu diário a minha avó escreveu “Vêm aí os russos, temos de fugir”. Caminhava à beira da estrada com os filhos, o condutor de um autocarro aceitou levá-los, em troca de uma máquina de escrever que tinha consigo. A história foi ontem. E repete-se.
O meu pai fugiu nos anos 50 da RDA, ocupada pelos russos, para a RFA, sob a tutela dos EUA. O regime totalitário e pseudocomunista da RDA durou 40 anos, mais ou menos os mesmos que a ditadura em Portugal. Se, por acaso, os países vizinhos ocidentais tivessem começado a fornecer em grande escala armas para combater o invasor russo, o desfecho teria sido, primeiro, milhões de mortos, depois, provavelmente a terceira guerra mundial.
Antes, em 1772, o meu tetravô, Joseph Szymanski, ainda criança, fugiu dos russos, com a família que pertencia à aristocracia polaca desapossada, para a Galícia, reino por sua vez ocupado pelos polacos uns séculos antes etc.
A minha família fugiu pelo menos três vezes dos russos, de uma forma ou de outra, esperou pelo colapso de regimes totalitários, na Polónia, na RDA e em Portugal. Se queres paz, evita a guerra: Mais vale 100 horas a conversar sem resultados do que um minuto de guerra (Helmut Schmidt).
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